Conforme prometido, daremos início então ao nosso estudo sobre o livro "Não tenho fé suficiente para ser ateu", de Norman Geisler.
Norman começa seu livro falando sobre um de seus professores de faculdade. Nesse caso, em uma aula sobre religiões, o seu professor acertadamente seguiu o ponto de vista usual das universidades, que é a análise crítica-textual das escrituras bíblicas, ou seja, que Moisés não escreveu o Pentateuco, que os livros proféticos foram escritos após os eventos, e que inicialmente os judeus eram politeístas, mas que ao passar do tempo foram se tornando monoteístas, etc. É a linha usual das escolas atualmente.
Após alguns incidentes realmente desinteressantes para contar aqui, Norman alega que ao final do semestre ele ainda não tinha encontrado a resposta para a verdadeira razão de ter se matriculado naquela matéria: saber se deus existe.
Não sei se essa historia é verdade ou foi inventada só para dar um tom amistoso para o início do seu livro, porque me parece ingenuidade demais alguém se matricular em uma cadeira de seis meses numa universidade só para ter respondida a pergunta que vem incomodando a humanidade por milênios. Ele esperava mesmo que seu professor soubesse a resposta?
Ele alega espanto e indignação quando o seu professor humildemente diz que não sabe:
“Fiquei chocado. Senti vontade de repreendê-lo, dizendo: "Espere um minuto, você está ensinando que o AT é falso e nem mesmo sabe se Deus existe? O AT poderia ser verdade se Deus realmente existisse!". Mas, uma vez que as notas finais não estavam fechadas, resolvi pensar melhor. Em vez disso, simplesmente saí, frustrado em relação a todo aquele semestre. Ele poderia ter respondido com um "sim" ou um "não" sinceros, apresentando suas razões, mas não um "eu não sei".” |
Então vemos a lógica de um apologista em ação. Para ele, não se poderia afirmar que o AT é falso sem antes saber se deus existe. Óbvio que isso não é verdade. Deus pode existir e o AT ainda ser falso. E pode-se provar que o AT contém vários erros históricos, matemáticos, erros de copistas, adulterações e falsificações propositais que podem ser estudadas sem a necessidade de fazer uma correlação a existência de deus como um todo. Pode-se ainda estudar o caráter desse deus em particular, e ver por exemplo que se ele alega não mudar nunca, mas em várias outras passagens ele muda de opinião e se arrepende, é óbvio que tem coisa errada na história. Esse deus em particular foi inventado, e não houve necessidade de provar se deus (o deus genérico que a maioria das pessoas acreditam) existe.
Em seguida, Norman passa para uma crítica às universidades que, segundo as palavras dele:
“...consideram todos os pontos de vista tão válidos como quaisquer outros, por mais ridículos que possam ser, com exceção do ponto de vista de que apenas uma religião ou visão de mundo possa ser verdadeira”. |
Isso pra mim é mimimi e chororô de quem não consegue ter as suas idéias aprovadas em universidades e seminários históricos e científicos. É óbvio que qualquer um que for a uma universidade afirmando que é detentor da Verdade Absoluta e não for capaz de fornecer uma única evidência consistente para apoiar suas alegações vai e deve ser ridicularizado, seja ele cristão, islâmico, ou ateu.
Idéias para serem levadas a sério precisam passar pelo crivo científico, e não adianta os religiosos se sentirem perseguidos por isso, porque esse princípio vale para todos, bibliólatras, crentes da Terra oca, astrólogos, cientistas, etc.
Norman propõem em seguida uma analogia da vida com um quebra-cabeças no qual precisa-se montar as peças sem saber como é a imagem completa, sem olhar a “tampa da caixa”. Ele diz que religiões podem fornecer a tampa. É uma boa analogia, infelizmente errada. As religiões não tem essa capacidade.
Ele diz que as cinco perguntas mais importantes da vida são: “de onde viemos?”, “quem somos?”, “por que estamos aqui?”, “como devemos viver?” e “para onde vamos?”. Pode até ser, mas em seguida ele fala algo que é uma besteira sem tamanho:
“As respostas a cada uma dessas perguntas dependem da existência de Deus.” |
Errado, não dependem, tanto que ateus podem responder essas perguntas relativamente bem e sem grandes problemas, e eles não dependem de deus nenhum. Certamente terei que discorrer sobre essas perguntas novamente depois, então não fazer isso agora. Apenas direi que simplesmente dizer que “foi deus quem quis/fez” não é resposta. Dessa forma, os ateus respondem essas perguntas melhor que os crentes. Mas veremos isso novamente depois.
“Se Deus existe, então existe significado e propósito para a vida.” |
Norman já começa a soltar as velhas e batidas pérolas dos teístas. São esses os “incríveis” argumentos que veremos nesse livro? Francamente, esperava mais.
Vou simplesmente repetir aqui o que já explicava anos atrás para os cristãos que achavam que os ateus não tem um propósito para a vida: propósito, cada um faz o seu. E não necessariamente depende da existência de deus ou deuses nenhum. Os propósitos de cada um podem ser os mais variados possíveis. O propósito de alguém pode ser criar seus filhos no melhor ambiente possível. Para outros, pode ser sucesso em sua profissão, ser o melhor médico, advogado, engenheiro, professor, e contribuir para uma sociedade melhor. O propósito de outros pode ainda ser apenas paz de espírito. Ou encontrar o amor perfeito. Ou tudo isso junto. Ou, para muitos crentes, pode ser passar a vida inteira louvando algo que eles chamam de deus, e sonhar passar o resto da eternidade fazendo o mesmo.
O importante é: o seu propósito não precisa ser necessariamente igual ao meu. E se o seu propósito não é igual ao meu, não é motivo para dizer que eu não tenho propósito para a minha vida. Ou seja, se eu não sigo o seu propósito, não quer dizer que eu não sigo um propósito para mim mesmo. É de extrema arrogância pensar isso, e é algo comum entre os crentes.
“Se existe um verdadeiro propósito para sua vida, então existe uma maneira certa e uma maneira errada de viver.” |
Aqui vemos a típica falsa dicotomia que geralmente está presente na apologia cristã. Então existe uma maneira certa e uma errada de viver, e, adivinhe, a maneira correta é a cristã, e a maneira errada são todas as outras.
Para os cristãos é muito prático colocar tudo em termos de preto e branco, certo e errado, santo e pecador, salvo e condenado. Mas é uma visão completamente equivocada. Não sabem eles que a vida é muito mais complexa do que isso, e nem tudo pode ser resolvido em termos de uma simples dualidade. É óbvio que um modo de vida pode ser mais correto do que outro, mas isso não significa que alguém que vive de forma diferente que a nossa necessariamente esteja vivendo em erro.
Norman continua:
“As escolhas que fazemos hoje não apenas nos afetam aqui, mas também na eternidade.” |
Estava demorando para aparecer o bom e velho orgulho do ser humano, em se achar tão importante no esquema geral de coisas que ele se considera digno de sobreviver até à própria morte. “É claro que eu sou especial demais para ter um fim”. Esse apelo também tem a necessidade de atender ao nosso senso de justiça. O mundo é injusto, e para muitos de nós isso é inadmissível. É preciso haver alguma forma de compensação, algo que equilibre a balança, ainda que seja após a morte, ainda que seja algo totalmente inventado. Não, meu caro, o Universo não tem obrigação nenhuma de satisfazer nem a nossa sede de justiça nem o nosso orgulho. Se quisermos consertar as coisas, tem que ser aqui e agora, enquanto estamos vivos, porque após a nossa morte não fará diferença alguma.
“Por outro lado, se Deus não existe, então a conclusão é que a vida de alguém não significa nada.” |
Novamente a falsa dicotomia. Ou deus existe para que a nossa vida tenha sentido, ou podemos nos matar agora mesmo que não faz diferença alguma.
Seria extremamente triste se os ateus pensassem mesmo dessa forma, e deve ser por isso que muitos crentes dizem que “não existe ateus, e sim crentes que se revoltaram contra deus”, principalmente quando vêem ateus felizes e de bem com a vida. Para eles é impossível compreender como é que uma pessoa não precisa de deus e ainda ser feliz! “É claro que no fundo eles acreditam em deus, e estão apenas em negação”. Que tal isso para arrogância?
Não, ateus não acreditam em deus, e justamente por isso devem viver a vida ao máximo, pois ela será a única que terão. Não temos a esperança nem a pretensão de achar que viveremos para sempre após a morte, e não nos iludimos com historinhas de contos de fadas e wishfull thinking. Mas preferimos assim. Melhor a dura realidade do que a entorpecente ilusão. Isso não faz a vida "não significar nada", muito pelo contrário, ela faz da vida o bem mais precioso que qualquer pessoa já recebeu.
“Uma vez que não existe um propósito duradouro para a vida, não existe uma maneira certa ou errada de viver. Não importa de que modo se vive ou naquilo em que se acredite, pois o destino de todos é o pó.” |
Essa é a parte mais assustadora dos fanáticos religiosos. Aqui, ele admite claramente que se deus não existe, então ele estaria cometendo toda sorte de crimes, já que para ele não faz diferença alguma. Então, a única coisa que o impede são as conseqüências futuras do pós-vida. Ou seja, ao invés de fazer o bem porque é o correto, ele faz apenas para preservar o próprio rabo!
Que belo caráter cristão hein? E isso é algo comum entre eles, é corriqueiro ver eles fazerem esse tipo de confissão.
Eu, pessoalmente, prefiro fazer o bem porque eu sei que estou ajudando as pessoas e construindo um futuro melhor para as futuras gerações, sem me preocupar com recompensas ou punições eternas. E depois os cristãos ainda se consideram moralmente superior aos ateus!
Norman, em seguida, faz uma explicação bem superficial sobre os problemas das religiões, na qual ele destaca a existência de milhares de religiões diferentes e conflitantes entre si, o problema do mal, e a indiferença de deus. Ele vai dar as suas respostas no decorrer do livro, então também não tratarei delas agora.
“Mas aonde tudo isso nos leva? Será que a busca por Deus e pela tampa da caixa da vida é vã? Deveríamos pressupor que não existe sentido objetivo na vida e que cada um inventa sua própria tampa da caixa? Deveríamos contentar-nos com a resposta "eu não sei" do professor universitário? Achamos que não. Cremos que existe uma resposta real. Apesar das fortes objeções que identificamos (as quais abordaremos nos capítulos seguintes), acreditamos que a resposta é bastante racional. Na verdade, acreditamos que essa resposta é a mais racional e a que exige menos fé do que qualquer outra resposta possível, incluindo a opção de ser ateu.” |
Então, a proposta desse livro é mostrar que o cristianismo é a resposta mais racional que existe, entre todas as possíveis, inclusive do ateísmo. Veremos nas próximas postagens se ele tem mesmo tantos argumentos quanto diz, ou e é só bravata de mais um apologista bíblico.
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