Sou ateu apenas porque Deus não existe. Se existisse e fosse como dizem as religiões, eu o odiaria!!! (Mago do Verbo)

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Gigantes da bíblia: encerrando o caso


Um tema recorrente em vários debates com cristãos é o assunto dos gigantes na bíblia, e aqui nesse blog não é diferente. Muitas vezes, mais por pura inocência, são apresentadas "provas" de que eles realmente existiram, como nesse link, e tantos outros que usam as mesmas fotos e os mesmos argumentos. Na verdade, um é o plágio do outro, e todos copiados de sites criacionistas americanos.

Já pretendia abordar o assunto antes, e como ele foi citado em um dos comentários nesse blog, resolvi aproveitar a oportunidade.

Abaixo estão os principais argumentos daqueles que defendem a existência de uma raça de gigantes no passado.

O que a bíblia diz dos gigantes

Gênesis 6, 4 Ora, naquele tempo havia gigantes na terra; e também depois, quando os filhos de Deus possuíram as filhas dos homens, as quais lhes deram filhos; estes foram valentes, varões de renome, na antiguidade.

A primeira citação de gigantes na bíblia é um tanto obscura e de difícil interpretação. Fala-se de filhos de Deus possuindo as filhas dos homens. Porém a grande maioria das denominações cristãs interpretam esses versículos como anjos caídos copulando com mulheres comuns, e os seus descendentes seriam os gigantes, ou, pelo menos, pessoas poderosas e de destaque na antiguidade.

Números 13, 33 Também vimos ali gigantes (os filhos de Anaque são descendentes de gigantes), e éramos, aos nossos próprios olhos, como gafanhotos e assim também o éramos aos seus olhos.

Essa passagem se refere aos espiões enviados por Moisés a Canaã. Aqui eles parecem petrificados de medo ao ver um uma quantidade numerosa de gigantes - talvez uma população inteira?

Josué 13, 12 todo o reino de Ogue, em Basã, que reinou em Astarote e em Edrei, que ficou do resto dos gigantes, o qual Moisés feriu e expulsou.

De qualquer modo, Moisés não se intimidou, atacando Canaã e expulsando os gigantes. Os que restaram (deviam haver muitos!) Josué terminou de exterminar.

Deuteronômio 3:11 (Porque só Ogue, rei de Basã, restou dos refains; eis que o seu leito, leito de ferro, não está, porventura, em Rabá dos filhos de Amom, sendo de nove côvados o seu comprimento, e de quatro, a sua largura, pelo côvado comum?).

Uma passagem interessante, onde a cama de um dos restantes dos gigantes (aqui chamados de refains, ou nefilins em outras bíblias) foi guardada como troféu. Segundo a NIV, a cama mediria quatro metros de comprimento por um e oitenta de largura.

2 Samuel 21, 16 Isbi-Benobe descendia dos gigantes; o peso do bronze de sua lança era de trezentos siclos, e estava cingido de uma armadura nova; este intentou matar a Davi.

Depois dessas passagens os gigantes ainda são citados, mas começam a ficar mais escassos. Os que aparecem daqui em diante são apenas alguns descendentes que restaram. Golias, o mais famoso deles, teria 2,9 m de altura, segundo diz I Samuel 17:4.

Fica claro então que a bíblia considerava os gigantes bem reais, existiam em grande número no passado, eram pessoas poderosas ou guerreiros valentes e assustadores, e descendentes - segundo algumas interpretações - de uma união sobrenatural entre anjos e mulheres.

A história por trás da escultura de Joe Taylor


A imagem do fêmur gigante esculpido por Joe Taylor é um dos argumentos mais usados para provar a existência de gigantes, sendo que muitas vezes a pessoa que repassa a história nem sabe que se trata de um molde esculpido, e diz que aquele é um fêmur original de gigante.

Bom, a história original não nega que se trata de um molde fabricado. Segundo conta, um tal de Jack Wagner encomendou o fêmur com base em uma carta obscura, de quem ninguém conhece o autor, dizendo que encontrou em uma viagem à Turquia, próximo do Eufrades, "tumbas de 4 metros de comprimento", mas que foram convenientemente destruídas por estradas e construções. A história também diz que esse autor misterioso escavou as tumbas do rei Nabucodonosor, e encontrou ossos de gigantes que eram "feito esponja" e "se desfaziam como cinzas" ao toque. Ora, quanta conveniência! Sério, todo esse argumento de fêmur de gigantes se baseia em uma carta anônima de uma história fantástica sobre ossos que se desintegravam e tumbas que não existem mais!

Lamento, nada disso vale como prova de nada além de que a vontade do ser humano de acreditar é realmente surpreendente.

As pegadas gigantes do rio Paluxi

Diferentemente que os moldes feitos por Joe Taylor, sabe-se que as pegadas de gigantes do rio Paluxi são fabricações com o intuito original de se passar por autênticas.

Sabe-se de pelo menos três pegadas desse tipo que ainda existem nos dias de hoje. Com cerca de 45 cm de comprimento, todas elas possuem características em comum que denunciam que se tratam de moldes esculpidos.

A pegada Burdick. Erros anatômicos
e análise da rocha evidenciam a fraude.

O primeiro fato é que todas as pegadas só aparecem já "extraídas" nas rochas em que estão encravadas. Nunca é mostrado o leito ou sítio arqueológico onde elas foram encontradas. Isso por si só já invalida a autenticidade delas como evidência de qualquer coisa.

Há vários erros anatômicos claros e indiscutíveis com relação ao desenho dessas pegadas. E como elas possuem cantos nítidos e bem delineados não é possível usar a desculpa de que as anomalias foram causadas por escorregões, deformidades na lama, desmoronamentos, etc. O problema maior nem é o tamanho das pegadas em si, já que pés desse tamanho podem ser encontrados hoje em dia. O problema maior são as desproporções anatômicas.

Clifford Burdick, com uma
pegada de gigante e de
um dinossauro, ambas
esculpidas em pedra.
Por exemplo, a pegada Burdick, como uma delas ficou conhecida, é larga demais na planta do pé, e estreita demais no calcanhar, dando um aspecto quase triangular a ela. A depressão dos dedos são longas demais, e o dedão é fino demais. O comprimento dos dois dedos menores são grandes demais, quase o dobro do tamanho do esperado. Em uma pegada normal eles apareceriam apenas como simples pontos. Se traçarmos uma linha imaginária pelas pontas dos dedos, ela seguiria praticamente em linha reta, ao invés do um trajeto curvilíneo decrescente normalmente esperado. A curva da planta do pé é grande demais, muito próxima dos dedos, formando uma bola desproporcional e esquisita.

Alguém poderia dizer que a pegada de um gigante não precisa ter as mesmas proporções de um humano, mas mesmo assim, por mais que as proporções de um gigante variassem, as variações seriam o oposto daquelas encontradas nas pegadas. Por exemplo, os dedos de gigantes tenderiam a ser grossos e curtos, e não finos e longos, enquanto o calcanhar não seria tão mais fino que a planta do pé, para conseguir suportar o peso maior. Como a antropóloga Laurie Godfrey disse, ao analisar as pegadas, o escultor "não apenas fez um trabalho pobre ao reproduzir as proporções de um pé humano, como ele também errou na direção oposta".

Ainda há evidências de marcas de punção nas pegadas. Além disso, marcas de algas indicam que as pegadas foram esculpidas no lado inferior onde a rocha se encontrava originalmente (como alguém faria uma pegada do lado de baixo de uma pedra?). Para finalizar, as linhas estatigráficas do substrato onde as pegadas se encontram deveriam ter sido afetadas pelo peso do "gigante", o que não é o caso em nenhuma das pegadas, provando que elas foram esculpidas na rocha bruta.

Enfim, é sabido que essas pegadas são falsificações. Até mesmo o site criacionista Answer in Genesis recomenda que criacionistas não usem mais esse argumento como evidência de gigantes.

Mais informações, outras evidências de fraude, bem como argumentos que apontam o possível autor dos moldes podem ser encontrados no site Talk.Origins e Paleo.cc.

O gigante fossilizado irlandês

Essa história é ainda mais mal contada da do fêmur esculpido por Joe Taylor.

Em 1895 apareceu em Coutry Antrim, Irlanda, um "gigante fossilizado", que teria 3,6 metros de altura. Ele foi transportado até Londres, onde foi fotografado e publicado em uma revista chamada The Strand. Logo após a fotografia, ele sumiu sem deixar vestígios. Nenhum cientista chegou a examinar o gigante. Assim, a única coisa que temos é uma fotografia. Então, somos obrigados a trabalhar com o que temos.

O gigante fossilizado irlandês

1. Um gigante aparecer e desaparecer do nada por si só já é suspeito. Ele poderia ser qualquer coisa, até mesmo uma escultura. Na verdade, ele é muito parecido com o gigante Cardiff, como foi conhecida uma estátua produzia poucos anos antes, em 1869. O gigante Cardiff enganou muitas pessoas, levando-as a pagar entradas para ver as exibições daquilo que seria a prova de Gênesis 6:4, até ser desmascarado. Mas aí seu criador, George Hull, já tinha enriquecido. Outra cópia do gigante Cardiff foi reproduzida por Phineas T. Barnum, e atraiu ainda mais multidões que o original. Seria esse gigante fossilizado irlandês outra tentativa de aproveitar o filão?

O gigante Cardiff, uma estátua que enganou muita gente, pode ser visto até hoje no Farmers' Museum em Cooperstown, NY. Inspiração para o gigante irlandês?

2. A perspectiva da fotografia parece fazer parecer que o gigante é bem maior do que realmente é. Será que ele é realmente maior que o vagão atrás dele, ou a fotografia foi tirada de um ângulo que fez parecer que a estátua é imensa? Será que a própria fotografia é um fake de um fake?

3. A revista Strand naquela época era uma revista britânica de histórias de ficção. Publicou as primeiras aventuras de Sherlock Holmes, além de quebra-cabeças e diversões. Alguns de seus exemplares podem ser lidos on-line aqui.

Enfim, por esses motivos podemos crer com tranquilidade que a "múmia petrificada" ou o "gigante fossilizado", como quer que ele seja chamado por aí, não passa de mais um fake para enganar os crédulos do passado e da atualidade...

Montagens fotográficas

Uma coisa deve ficar clara: em ciência apenas imagens fotográficas isoladas não servem como prova. Ainda mais nos dias de hoje, com os recursos de computação gráfica que estão à disposição de qualquer um para fazer montagens do jeito que quiser.

Tenham certeza, se um esqueleto de gigante um dia for encontrado - por mais improvável que possa ser - precisará passar pelo mesmo rigor científico que todas as outras descobertas passam. Deve estar disponível para ser analisado por equipes independentes, ser objeto de estudo com peer review em artigos científicos, etc. Isso só já eliminaria todos os casos de gigantes vistos até aqui, mas fica ainda mais evidente se a única coisa que temos são fotografias, facilmente manipuláveis por programas de edição de imagens.

Abaixo veremos alguns exemplos popularmente usados como argumentos, bem como a fotografia original usada como base. Interessante que uma delas nunca teve a intenção de ser usada como autêntica foto de gigante: ela foi uma montagem feita para um concurso do site Worth1000. Somente depois - por ignorância ou ma fé - alguém passou a associá-la com os gigantes bíblicos, passando-a como se fosse verdadeira, e a idéia se espalhou.

Imagem usada no concurso de montagens Worth1000 em 2002.
O tema do concurso era "gigantes".

Imagem original usada pelo autor da foto acima.

Montagem de um crânio.

Imagem original.

Gigantes modernos

Uma última tentativa de justificar os gigantes da bíblia é mostrar fotografias de pessoas extremamente altas, e que geralmente sofrem de uma doença chamada gigantismo. É verdade que o gigantismo produz pessoas muito altas, mas será que serve como argumento para a existência dos gigantes bíblicos?

Sultan Kösen, o homem mais alto do mundo ainda vivo, com 2,51m.
Precisa de muletas para caminhar, e se cansa facilmente se ficar de pé. 

Robert Wadlow, o homem mais alto que já existiu, com 2,72m.
Mal conseguia sentir as pernas, precisava de aparelhos ortopédicos para poder ficar de pé.

Primeiramente, o gigantismo é uma doença causada pela produção excessiva do hormônio do crescimento, geralmente provocada por um tumor benigno na glândula pituitária. Os sintomas incluem dores de cabeça, náuseas e distúrbios visuais provocados pela pressão do tumor nos nervos do cérebro e dos olhos. O crescimento anormal do esqueleto provoca ossos fracos, apesar de terem que suportar um maior peso, e inchaço nos ligamentos. Também provoca falta de ar, porque os pulmões precisam oxigenar mais sangue, e problemas no coração, que precisa bombear mais para um corpo maior.

Ou seja, por essas características, pessoas que sofrem de gigantismo não poderiam ser bons guerreiros! Da mesma forma, é possível que houvesse alguém que sofresse de gigantismo na época dos patriarcas hebreus, mas ela é uma doença rara e debilitante. Seria muito improvável que fosse comum a ponto de formarem um exército de gigantes, como os mencionados na bíblia.

E ninguém em sã consciência acredita que alguém com tumor na glândula pituitária seja fruto da relação sexual entre um anjo caído e uma mulher da Terra!

Conclusões

Então vemos que a necessidade de acreditar nas histórias bíblicas faz com que as pessoas mais crédulas sejam enganadas facilmente por fraudes durante anos.

O que provavelmente deve ter acontecido, apesar de não haver provas, é ter havido alguns povos de nações estrangeiras terem uma estatura um pouco superior ao dos hebreus. Isso seria perfeitamente possível. Talvez isso os impressionou a ponto de serem inclusos em suas escrituras - com um óbvio exagero poético para enfatizar a superação de um obstáculo difícil - o que permaneceu até hoje.

Mas de modo algum houve uma "nação de gigantes". Não há vestígios arqueológicos em nenhum lugar que mostre que eles tenham existido em grande número em nenhum tempo. A busca por eles sempre se resumiu a frustração e, eventualmente, a fraudes com o objetivo de fama e lucro.

PS.: Esses são as histórias de gigantes mais comuns encontradas na net. Se alguém souber de outra e quiser que eu inclua nesse artigo, me avise nos comentários.