sábado, 26 de novembro de 2011

Johannine Comma: outra adição posterior

Uma das mais importantes passagens da bíblia, em I João 5: 7-8 - popularmente conhecida como Johannine Comma - também é considerada pelos estudiosos uma inserção posterior:

I João 5, 7 Pois há três que dão testemunho no céu: o Pai, a Palavra e o Espírito Santo; e estes três são um


I João 5, 8 E três são que os testificam na terra: o Espírito, a água e o sangue, e os três são unânimes num só propósito.

A parte em destaque "no céu: o Pai, a Palavra e o Espírito Santo; e estes três são um. E três são os que testificam na terra" não aparece na vasta maioria dos manuscritos gregos (na verdade, só aparece naqueles produzidos na idade média). Os manuscritos mais antigos que contém a passagem constam apenas na Vulgata Latina, e ainda assim só após o oitavo século da era comum.

Parte do Codex Sinaiticus, um dos mais importantes manuscritos existentes.  A parte em destaque é I João 5: 7-8, sem o Johannine Comma. A letra miúda é uma correção de um erro feita por um escriba.

Essa passagem é uma das favoritas entre os cristãos, pois é a única em toda a bíblia que fala explicitamente sobre a doutrina da Trindade, isto é, que existem três pessoas que formam a divindade. Sem ela, é necessário inferir indiretamente utilizando passagens diversas que mostrem que Cristo é Deus, assim como o Pai e o Espírito Santo, e que, ainda assim, há apenas um único Deus.

Mas é consenso geral que essa passagem é considerada espúria. Na maioria das bíblias modernas ela está entre colchetes, com notas de rodapé informando que não consta nos manuscritos mais antigos. A Nova Versão Internacional foi ainda mais longe, tomou coragem e eliminou completamente o trecho duvidoso:

I João 5, 7 Pois há três que dão testemunho:


I João 5, 8  o Espírito, a água e o sangue, e os três são unânimes.


Vemos que o que resta dos versículos até poderia ser interpretado como a trindade, mas fica obscuro demais para ter certeza (provavelmente por isso que o Johannine Comma foi adicionado, para esclarecer melhor uma interpretação particular feita pelos escribas).

De qualquer forma, essa passagem só permanece nas bíblias por tradição. Erasmus, o autor da primeira versão da bíblia impressa já feita, em 1516, não encontrou nenhum manuscrito grego que tivesse o Johannine Comma, e por isso o deixou de fora. Isso irritou os teólogos de sua época, que o acusavam de adulterar o texto para eliminar a doutrina da trindade e atacar a divindade de Cristo (mais ou menos como os evangélicos fundamentalistas de hoje acusam a NIV de fazer o mesmo). Stunica, que planejava sua própria versão da bíblia, fazia difamações públicas contra Erasmus e exigia que a passagem fosse incluída nas versões seguintes.

Erasmus, ingenuamente, disse que incluiria a passagem com uma condição: que seus opositores lhe apresentassem um manuscrito em grego que contivesse a passagem. E um manuscrito foi apresentado (produzido especialmente para a ocasião, diga-se de passagem, copiado do grego, com a parte do Johannine Comma traduzido do latin).

Erasmus não teve outra escolha a não ser manter a palavra e incluir o versículo nas versões posteriores, com base em um manuscrito feito especialmente para a ocasião no século XVI, e essa versão foi a base para o Novo Testamento que foi eventualmente usado na versão King James.

Isso mostra como era o comprometimento e o caráter daqueles que copiavam e mantinham os manuscritos ditos sagrados, que não tinham nenhum escrúpulo para alterar os textos de acordo com as suas vontades, seus interesses e suas crenças pessoais.


Um comentário:

  1. “Essa passagem é uma das favoritas entre os cristãos, pois é a única em toda a bíblia que fala explicitamente sobre a doutrina da Trindade, isto é, que existem três pessoas que formam a divindade.” [Cristiano]
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    Hoje não tenho tempo, mas me lembro que há outras passagens citando o Espirito Santo:
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    "...ordenou-lhes que não se afastassem de Jerusalém, mas que esperassem a realização da promessa do Pai a qual, disse Ele, ouvistes da minha boca: João batizou com água; vós, porém, sereis batizados com o Espírito Santo dentro de poucos dias" (At 1,4-5).
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    No entanto não é sobre isto que quero falar, depois escrevo um texto sobre o “labirinto das letras”.
    Vejo religiosos sempre se referindo a “pureza” da igreja dos primeiros séculos.
    Ateus sempre pegam como referência a “pureza” dos originais gregos.
    Não entendo porque as conclusões ou opiniões do passado são mais puras ou verdadeiras só por serem do passado!!!! Como se os antigos fossem o supra sumo da espécie humana.
    Até pouco tempo atrás o átomo era considerado indivisível, devemos nos manter presos ao passado e rejeitar qualquer conclusão contraria?
    Os antigos religiosos podiam não ter uma clara percepção que existia um terceiro elemento constituidor do poder divino, mas Jesus veio afirmar que tinha.
    Se depois de séculos os pensadores religiosos deram preferencia a esta teoria temos que dogmaticamente chama-la de “impura” por discordar dos escritos gregos?
    “Decifra-me ou te Devoro!”

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